quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ZECA

a utopia morreu.
De pouco valeu a tua força,
aquela que cantavas à guitarra
que nos enchia a alma,
despertava a essência
de sermos gente
em luta pela marca
da portugalidade.
e pela Liberdade!


Zeca,
a utopia morreu.
Vestiram-na de globalização
de Europa, de aculturação.
Hoje, o povo orgulhoso
que conquistou os mares,
conta os tostões que lhe consentem,
guerreia-se na inveja milenária,
e pensa que governa.
Encharcado de pareceres doutos
governa a soldo de senhores outros
que de joelhos o obrigam
a não ter alma, nem brio, nem nacionalidade.


Zeca,
a utopia morreu.
Sobreviveu-lhe o Euro, a estatística,
as perspectivas económicas,
os nossos irmãos rebentados de trabalho
o ordenado que não chega para os bancos,
os filhos criados sem pais,
a mendicidade, a tristeza, a depressão,
os lares sem pão,
e a Europa, essa Europa polvo
a comer os seus filhos
numa hegemonia germânica
que não venceu pelas armas
e amarfanhou pelo soldo.

Zeca,
a utopia morreu.
Já não temos país,
somos província
de uma Europa subjugada.
Somos menos do que nada.
Compraram-nos a alma
tiraram-nos a vontade,
esconderam-nos a verdade,
enganaram-nos com a opulência
treinaram-nos os filhos na obediência
apoiaram a mediocridade
E gravaram-nos na testa um epitáfio:
“Aqui jaz um homem que vendeu a sua liberdade”

UM NOVEMBRO QUALQUER

Era Novembro!
Não um Novembro macio
de alegria no olhar
sol cálido a convidar
aos caminhos interiores.
Nem um Novembro
com a chuva miudinha,
e fumo de castanhas assadas
nas esquinas da cidade.
Não havia claridade!
Era um Novembro agreste
de mar encapelado,
e ventos gélidos
que vergavam os ciprestes
dos cemitérios.
Um Novembro de mistérios!
Nuvens negras
no céu e na alma.
Chuva e lágrimas
nos rostos fechados
flores de saudade
olhos sem luz,
tristeza que cansa.
Não havia Esperança!
Não era um Novembro qualquer.
Era um Novembro
de vidas em marcha atrás
no País desencantado
perdido e esgotado
de uma luta magoada
com armas tão desiguais.
Era um Novembro de sombras
a adivinhar a desgraça.
David contra Golias
sem a funda redentora,
sem a pedra que derruba,
sem o saber e a vontade
de caminhar o caminho
a viver cada momento.
Não era um Novembro qualquer.
Era o Novembro
do nosso descontentamento!!

OS PROFETAS DA DESGRAÇA

Fazem-me calafrios!
Uns já são entradotes
a boca torcida em esgares,
os olhos, velhos, miúdos
não olham para ninguém.
Foram sempre medíocres.
Folheiam estudos sem fim
com mapas e estatísticas
tiradas da Internet.
Não conhecem o País!
E quem sabe é o que diz
que não saem de Lisboa,
levam uma vida boa
junto à mesa do poder
de onde comem as migalhas.
Os outros são galos novos
cheios de graus e basófias
de prosápia e de pujança.
Vêm de outras paragens
vassalos de outras linhagens
escravos doutros poderes.
São os profetas de agora.
São os velhos do Restelo
que esventram, agoirentos,
sempre de língua afiada
o que dia a dia se faz,
como cachorros danados
em festim de carne e sangue.
Move-os o ódio e o desdém
cobre-os o véu da ganância.
Perderam a elegância!
Sempre com audiência
vão catequizando o povo
que conquistou a liberdade
incutindo-lhe o medo,
sangrando-lhe a vontade.
Fazem-no acreditar
que só dizem a verdade.
Só eles, iluminados,
são detentores do segredo
de conduzir o País,
agora a soçobrar,
a uma sublime ventura,
à enorme felicidade
dos tempos de Salazar.

A FISGA

Eu tinha uma fisga
quando era pequena.
Fez-ma o meu irmão,
numa tarde amena
com um ramo em forquilha
de um marmeleiro
que ensombrava o tanque.
Atou-lhe umas tiras de câmara-de-ar
com fio de norte
e pôs-lhe um bocado de couro por fim.
Nem cabia em mim
tal era a alegria e a minha sorte.
Enrolava a borracha à volta do pau
e metia-a na cinta
dos meus calções curtos,
como os garotos
que corriam descalços .
Nunca matou nada com aquela fisga!
Nem pomba, nem coelho ou passarinho
nem sequer uma sardonisca.
Mas era a minha fisga!
Que me fazia igual aos rapazes,
que ganhava jogos
“de quem atira mais longe”,
que me fazia fugir
dos bordados
e do pano do pó.
A minha fisga fazia de mim
aquilo que eu queria ser.