quarta-feira, 16 de maio de 2012


MEMÓRIAS




São a viagem por dentro


no receptáculo da alma,


para desfiar com calma


como ábaco de emoções.


São como um mapa tecido


do nosso tempo vivido


desenhado lentamente


pelo estilete da vida;


derrotas em tons de sépia


vitórias em cores vibrantes.


Memórias!


Momentos fotografados


onde nos refugiamos,


para sabermos quem somos.


Uma vivência, uma casa,


um momento de glória,


e aquela magnólia


que florescia na esquina


quando ainda era menina.


Uma árvore, um riacho,


onde nasciam os lírios


que violámos com paixão.


Um sorriso, um olhar,


murmúrios de oração.


Os erros e o perdão.


Saudade dos tempos idos,


dos ardores da juventude


nestes momentos de agora


de paz e plenitude.


Memórias!


Os minutos repartidos


em amor pela vida fora,


pequenas contas redondas


que desfiamos, sentidos,


no ábaco da memória!

MIRÓ


Tenho um gato apaixonado!

Por incrível que pareça

a paixão, quem manda nela,

no seu particular espaço,

expressou-se, há pedaço,

por uma peixinha rosada,

de quem observa os véus,

os caminhares e os beijos

num aquário onde bebe

sem sede, apenas desejos,

num caminho ao contrário

da sua essência ancestral

de o considerar alimento.


Ao sol primaveril,

neste conturbado Abril,

bebe água e espera ansioso

que o peixe, que fêmea parece,

no seu nadar de apetece,

venha, com sua boca pequena,

lamber-lhe a língua rosada

e lhe dê, num momento subtil,

um pouco de amor e pertença

na sua vida pequena.

Amor comtrário ao esquema!

Tenho um gato apaixonado

por um peixe rosado

que o beija ao sol da janela

e que lhe ensina a pertença

porque faz parte dos nossos

daqueles que nossa alma elege,

onde a regra desfalece

e somos todos irmãos.


Tenho um gato apaixonado

por um peixe que o beija

neste solarengo Abril

num momento subtil

que comunga o coração!





A Prenda


 


Uma prenda eu encontrei
num armário de nogueira.
Tinham-ma oferecido há anos
numa noite brasileira
embrulhada de Esperança
com uma fita dourada
num laço de requinte antigo.
Desfiz a prenda com cuidado
e uma curiosidade lasciva.
Era uma caixa pequena
de cartão simples e grosso
com uma tampa lavrada.
Abri. Rosas de toucar
enchiam-na qual alvorada.
Uma menina, olhos de mar
cabelos como searas
sorriso a convidar
e um vestido de organdi,
tinha outra caixa na mão
rúbida, da cor da paixão.
Dentro estavam os amores
e o fogo da juventude,
ainda alguns desamores,
sonhos para realizar,
a procura de destinos
e ainda dois meninos
com uns sorrisos traquinas
seguravam outra caixa
nas suas mãos pequeninas.
Esta era de ouro puro
pesada de emoções.
Crianças livres corriam
e cresciam como flores,
mãos cuidavam com desvelo,
curavam todas as dores,
sorrisos a multiplicar-se,
lágrimas a lavar traições,
livros a contar histórias
de umas tantas vitórias
e algumas desilusões.



Num recanto de jardim
do tempo, ao sol poente,
tinha crescido um jasmim
com seu perfume envolvente
e no ramo de um arbusto
nascia um botão rosado,
doce na sua inocência,
ainda mal desabrochado.
Estava tudo envolvido
num véu de uma fina trama,
ternura e amor enlaçados
protegiam este drama
do mundo desconhecido.
Descobri um fundo falso
com a palavra FUTURO.
Reflectindo, parei.
Esta prenda da uma vida
que recebi faz já há anos
numa noite de Janeiro
fui-a abrindo devagar
com a coragem de amar
esquecendo os desenganos
desde esse dia primeiro.
O futuro a Deus pertence,
não o questionarei
E com gestos delicados
acarinhando a saudade
a minha prenda guardei.